São 528 páginas, 90 capítulos e mais de 700 imagens em um livro de arte de 24 por 32 centímetros, com 3,5 quilos. Afinal, como diz o título, trata-se da “História da caricatura brasileira”. Mas basta uma olhada mais atenta para se perceber o subtítulo: “Os precursores e a consolidação da caricatura no Brasil”. Isso mesmo. Apesar do gigantismo, este é apenas o primeiro volume de uma coleção que vai se estender por mais cinco ou seis tomos. A obra, da Gala Edições de Arte, será lançada na segunda-feira, às 19h, na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio, e na terça, às 18h, no Instituto Cervantes, em São Paulo.
O autor do trabalho é Lucio Muruci, ou melhor, Luciano Magno, pseudônimo que ele adotou para seu primeiro livro, a exemplo do que faziam muitos caricaturistas, como Fritz (nascido Anísio Oscar Mota), Seth (Alvaro Marins), J. Carlos (José Carlos de Brito e Cunha) e Bambino (Arthur Lucas). Nascido no Rio, o historiador, pesquisador, caricaturista, editor e sociólogo dedicou 25 de seus 40 anos ao tema.
De
seu esforço, sai um trabalho monumental, bilíngue (português e inglês), que
traz revelações e corrige injustiças sobre uma arte que, diz ele, sempre teve
papel de relevo. A principal novidade diz respeito à primeira caricatura
brasileira. Especialistas citam “A campanhia e o cujo”, datada de 14 de
dezembro de 1837, de autoria de Manoel de Araújo Porto-Alegre. Mas Magno mostra
que, 15 anos antes, no dia 25 de julho de 1822, saiu publicada no periódico
pernambucano “O Maribondo” uma charge que retrata um corcunda — representando
os portugueses — pulando acossado por um enxame de marimbondos — os
brasileiros.
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Esse patriótico desenhista é desconhecido. O tema da charge estava dentro do
espírito proclamado no editorial da publicação, de teor nacionalista — diz ele.
‘Nova
invenção artística’
Mas
Araújo Porto-Alegre continua sendo o primeiro caricaturista brasileiro.
—
Os anteriores eram anônimos. E não estavam retratando fisionomicamente uma
determinada personalidade. Ele foi o primeiro porque era completo. Fazia tanto
a charge, ou seja, a caricatura política, como a caricatura pessoal, o retrato
fisionômico. E teve uma produção maior, mais sistemática, mais regular.
Realizou mais de 70 caricaturas e fez a primeira revista especializada, “A
Lanterna Mágica”. Foi o primeiro profissional desse ofício no país e o patrono
dessa arte no Brasil. Sua primeira caricatura, no “Jornal do Commercio”, é
acompanhada de um texto dizendo que “saiu à luz o primeiro número de uma NOVA
INVENÇÃO ARTÍSTICA (sic)”. Se a xilogravura de “O Maribondo” é o marco
inaugural, esse texto é o marco oficial.
Só
no primeiro volume são mais de 300 caricaturistas. Muitos, diz Magno, sequer
citados em estudos anteriores, como Leopoldo Heck, Assis, Carneiro Vilella,
Luiz Távora e Maurício Jobim. Outro destaque é o registro das primeiras
aparições do desenho de humor no Brasil, como a obra do curitibano João Pedro,
o Mulato, e da produção pioneira pernambucana. Mas o Mulato não pode ser
considerado o fundador.
—
Ele é pré-pioneiro porque não publicou. Suas obras, criadas entre 1807 e 1817,
não tiveram circulação impressa, constituindo exemplares únicos.
Há
relatos ainda de caricaturas relativas à Revolta de 1817 e aos amores de D.
Pedro I, mas das quais não restaram quaisquer traços.
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Essas produções antecipatórias não deixaram registro gráfico, não foram
impressas, enquanto “O Maribondo” foi um jornal que foi editado, teve uma
circulação.
Em
seguida a ele, surgem outros periódicos, como “O Carcundão” e “O Carapuceiro”.
Além de mostrar jornais e revistas, ele perfila os artistas, com destaque para
Angelo Agostini, italiano naturalizado brasileiro, “figura mais emblemática” da
caricatura oitocentista, fundador, em 1876, da “Revista Ilustrada”. “Agostini
revolucionou a nossa caricatura, por suas ideias liberais, antiescravistas e
republicanas”, escreve. Outro nome de destaque é o português Bordalo Pinheiro,
“detentor de um estilo personalíssimo, ainda hoje incrivelmente moderno”.
No
lançamento, o livro vai estar à venda por um preço promocional de R$ 79. Ele
também poderá ser adquirido pelo site que Magno edita, e pelo e-mail
lucio.muruci@ig.com.br por R$ 89. E, nas livrarias, custará R$ 120.
A
ideia é lançar cada novo volume de seis em seis meses. No fim, Magno terá
mapeado a produção gráfica brasileira, dos primórdios aos dias atuais. O
segundo já está quase pronto. “Guerras, diplomacia e questões nacionais no século
XIX” aborda temas como a Guerra do Paraguai, a campanha abolicionista, a Guerra
de Canudos, o carnaval e o jogo do bicho.
—
É uma continuidade do primeiro. O século XIX é muito rico, e foi o período mais
difícil de se cobrir, pelas dificuldades de obter material.
O
terceiro volume, com os textos já finalizados, abrange a Belle Époque
brasileira, de 1915 a 1925, e tem como subtítulo “O alvorecer de uma nova
geração”. Entram artistas como Raul Pederneiras, K. Lixto, Bambino, J. Carlos e
Falstaff. Os volumes seguintes serão “Da Primeira República à Revolução de
1930", “O humor gráfico de 1925 a 1960” e “O humor gráfico contemporâneo —
1960 a 2000”. O trabalho de Magno vai falar da web e da TV.
—
A obra também vai abordar os artistas que usam a internet como veículo para seu
trabalho. E vai mostrar a fase dos cartuns televisivos, como os do plim-plim da
Globo. E tenho a ideia de um sétimo volume, especial, sobre fatos e
personalidades da cultura brasileira — diz ele, sem entrar em detalhes.
Mais
que a principal obra sobre a caricatura no Brasil, ele define o trabalho como
“a concretização do maior tratado já realizado na caricatura mundial,
circunscrito a um único país”. E que fala da caricatura pessoal, da charge e do
cartum.
Fascínio
por Henfil
O interesse de Luciano Magno pela caricatura começou aos 15 anos.
O interesse de Luciano Magno pela caricatura começou aos 15 anos.
—
Henfil foi uma referência muito forte. Eu assistia a um quadro dentro do “TV
Mulher”, o “TV Homem”. Continuei a acompanhar o tema e descobri Luiz Sá. Ele é
o criador gráfico do Bonequinho do GLOBO, numa parceria com Rogério Marinho,
que foi o idealizador, em 1938. Sá foi o primeiro multimídia da caricatura
brasileira, usou todos os meios de comunicação da época, revista, jornal,
rádio, TV e cinema. Tanto Luiz Sá como Henfil exerceram um fascínio muito
grande em mim.
Em
seguida, Magno começou a participar do movimentos dos fanzines. Criou o seu,
“Quadrinhos”, e dedicou uma das edições a Sá. Mas percebeu que o caricaturista
rendia numerosas outras homenagens. Uma delas foi a primeira retrospectiva
dele, em 1993. De Sá partiu para J. Carlos, depois para Seth. Até ter a ideia
da obra atual, que tem patrocínio da Petrobras, e copatrocínio da Eletrobras e
da Suzano Papel e Celulose.
Formado
em Ciências Sociais na UFRJ, com mestrado em Arte na UFF e doutorado em
História Social da Cultura na PUC, ele realizou dezenas de mostras ao longo do
tempo, como “A era J. Carlos: 100 anos”. Foi idealizador do I Festival de Humor
Gráfico, conjunto de 11 exposições realizadas em 2002, e vai promover em 2013 e
2014 a I Bienal Internacional da Caricatura.
—
Glauber Rocha certa vez disse: “O cinema para mim é sagrado.” Pois eu digo: a
história da caricatura brasileira para mim é sagrada — conta.
Magno
explica ainda que o livro dialoga com os três maiores historiadores da caricatura
brasileira do século XX, Ruben Gill, Herman Lima e Álvaro Cotrim. E cita os
vários fatores que ajudam a entender seu interesse pelo tema:
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O nível de excelência de nossas caricaturas, a capacidade que elas têm de
retratar o país, a inserção que têm a nível político e cultural, exercendo
função crítica. A História do Brasil pós-1822 se confunde com essa arte.
Em
várias passagens, isso fica mais evidente, como na campanha abolicionista, que
contou com o traço de Angelo Agostini e Bordalo Pinheiro, na questão religiosa,
que envolveu a participação de grandes caricaturistas nacionais por mais de 20
anos, e na causa republicana, que tinha como adeptos numerosos artistas.